Vivendo em ciclos

Nossa vida é inteiramente marcada por fases. Primeiro bebês, depois diversas etapas da infância, adolescência, de repente adultos. Nesse estágio, desdobramentos distintos ocorrendo junto com uma série de fatores e circunstâncias. Velhice. Outro período repleto de particularidades e também de limitações. Todas essas fases possuem entrançamentos no tempo, ou seja, são completamente intermediadas pela finitude: tudo que começa, em algum momento, experimenta seu desfecho.

Dessa forma, somos sempre convocados a refletir acerca de nossas decisões, escolhas, reações e de nosso comportamento, já que estamos em constante possibilidade de renovação. Assim acontece quando, por exemplo, mudamos de emprego, iniciamos um relacionamento amoroso ou fazemos aniversário. Com o fim do ano não poderia ser diferente, não é mesmo? A cada 365 dias, há mudança de estações climáticas, 12 meses, diversos domingos, bem como uma série de datas comemorativas. Tudo terminando e iniciando, em um ciclo bem definido. No entanto, de acordo com nossa cultura, o réveillon e o Natal são o período em que mais se apela para a reflexão de temas como valores humanos, ações sociais, valorização da família, além da provocação de uma autocrítica na maioria das pessoas. E assim, por vivermos numa cultura predominantemente cristã, os festejos natalinos carregam uma conotação essencialmente religiosa, que tende a ser maçante para os que não atribuem à data tal significação.

Desencontros cotidianos

O que mais escuto são falas do tipo “a pessoa passa o ano inteiro sendo sacana e no fim do ano vira um anjo, participando de amigo secreto e fazendo discursinhos”. Sim, infelizmente acontece mesmo! E conviver com esse tipo de situação realmente traz desconforto e a sensação de que a hipocrisia tá misturada à atmosfera. Isso me faz relembrar o conto Feliz Aniversário, da Clarice Lispector, onde é descrito um encontro anual de família em torno dos 89 anos da matriarca. Um momento onde todos parecem fingir ter o que comemorar em nome de uma reunião tradicional e obrigatória. Segue uma pequena e desconcertante amostra:

“ A velha não se manifestava. Então, como se todos tivessem tido a prova final de que não adiantava se esforçarem, com um levantar de ombros de quem estivesse junto de uma surda, continuaram a fazer a festa sozinhos, comendo os primeiros sanduíches de presunto mais como prova de animação que por apetite, brincando de que todos estavam morrendo de fome. […] a gordura quente dos croquetes dava um cheiro de piquenique e de costas para a aniversariante que não podia comer frituras, eles riam inquietos.” (LISPECTOR, 2016, p.182)

 

Agora, o pensamento da aniversariante:

 

“[…] E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! Como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres tão opacos, com braços moles e rostos ansiosos? […] O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. […]” (LISPECTOR, 2016, p.185).

 

Palavras fortes, não? No entanto, situações semelhantes visitam muitos ambientes familiares, nos mais variados contextos. Aquele parente sempre desagradável, que você prefere manter distante, de repente está ali, ao seu lado, brindando união, paz e amor. Da mesma forma, os recintos de trabalho, com suas inescapáveis confraternizações para fazer bonito nas mídias sociais.

Adjetivando Natal e Réveillon

Como assim? Quer dizer que é errado e perda de tempo celebrar o fim do ano? Lógico que não! Os festejos de fim de ano representam a despedida de um período e ao mesmo tempo as boas vindas para a possibilidade de renascimento. Estar aberto a essa metamorfose repercute num cenário bastante favorável para a saúde psíquica, de maneira que as ocasiões (e pessoas) das quais você não é muito fã podem se tornar fontes de aprendizado, superação e até de surpresa positiva, quem sabe, né? Quem, extremamente desanimado, nunca foi para um evento desses mais por educação/obrigação e se deparou, posteriormente, com o sentimento de que foi bom? A depender da lente que se utilize, é possível enxergar luz em certos ensejos opacos, por incrível que pareça.

Portanto, não importa se você crê em Jesus, Papai Noel, Iemanjá ou se não crê em nenhum deles, pois a questão central é poder encarar Natal e Réveillon como uma porta a se abrir, uma nova chance de ser e fazer melhor, independente do que passou. Quando nosso olhar está atento às possibilidades de crescimento, temos muito mais condições de transformar nós mesmos e nossa realidade.

Em sintonia com esse pensamento, finalizo meu texto com uma canção do Roupa Nova, Natal Todo Dia. Mesmo carregando certa dose de ingenuidade e ilusão, que a essência dessa bonita mensagem represente o desejo de“ Feliz Natal e Próspero Ano Novo”, tão escutado e professado por todos nós.

 

Um clima de sonho se espalha no ar

Pessoas se olham com brilho no olhar

A gente já sente chegando o Natal

É tempo de amor, todo mundo é igual

 

Os velhos amigos irão se abraçar

Os desconhecidos irão se falar

E quem for criança vai olhar pro céu

Fazendo pedido pro velho Noel

 

Se a gente é capaz de espalhar alegria

Se a gente é capaz de toda essa magia

Eu tenho certeza que a gente podia

Fazer com que fosse Natal todo dia

 

Um jeito mais manso de ser e falar

Mais calma, mais tempo pra gente se dar

Me diz porque só no Natal é assim

Que bom se ele nunca tivesse mais fim

 

Que o Natal comece no seu coração

Que seja pra todos, sem ter distinção

Um gesto, um sorriso, um abraço, o que for

O melhor presente é sempre o amor.

 

Referências:

LISPECTOR, Clarice. Todos os Contos/Clarice Lispector; organização de Benjamin Moser. – 1ª ed. Rio de janeiro: Rocco, 2016.

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